Carla BatistaEducadora do SOS Corpo - Instituto Feminista para a Democracia
O Plano Nacional de Políticas para Mulheres é, sem dúvida, um grande avanço alcançado nos anos recentes, a partir da realização das conferências de políticas para as mulheres. Agora, temos um plano! Já revisto e ampliado após a II conferência, e este plano possui um capítulo voltado para o enfrentamento da violência contra as mulheres. Existe também uma secretaria nacional com responsabilidade de articular o que vem sendo realizado por cada setor do governo federal nesta área, e de construir sintonia e coerência entre estas ações; além de ter que provocar estados e municípios a se engajarem através da assinatura do Pacto Nacional de Enfrentamento à violência contra as mulhreres.
Estes fatos somados à aprovação da Lei Maria da Penha significam que a ação do movimento de mulheres alcançou desnaturalizar e visibilizar a violência contra as mulheres, entendida hoje como um problema político, que demanda ação do Estado e reação de toda a sociedade para que seja afastado das nossas vidas. Lei, Plano e Pacto se complementam, porque a Lei estabelece o que o Plano precisa para garantir a sua aplicabilidade e o Pacto compromete as gestões locais com as políticas.
São 6 as prioridades apontadas: aperfeiçoar a rede de atendimento; garantir implementação da legislação, normas jurídicas nacionais e internacionais; prevenção; atendimento de saúde qualificado; proteção das mulheres jovens e meninas vítimas do tráfico e da exploração sexual e que exercem atividade da prostituição; promover os direitos humanos das mulheres encarceradas. Vou pontuar apenas algumas questões sobre este programa de ações.
Transparência e destinação de orçamento: No que se refere aos investimentos necessários para que o plano se concretize, o Congresso Nacional aprovou na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2009, como havia feito em 2006, o não contingenciamento dos recursos para o programa de prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres. Mas, a decisão final que cabe à presidência da república pode repetir o veto de 2006 e os recursos podem novamente vir a sofrer restrições. Um compromisso político não pode vir à parte da destinação de orçamento para que as políticas sejam implantadas, nisto há que haver mais sintonia.
A ação da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) na área da violência pode vir a ser a grande marca da história recente da instituição de políticas públicas para as mulheres. A disponibilização, pela SPM, dos projetos pactuados por estados e municípios, com os orçamentos destinados pelo governo federal, será fundamental para que os movimentos e organizações de mulheres possam acompanhar e pressionar para que sejam realmente executados.
Centros de reabilitação: Lamentável que recursos estejam sendo direcionados para a criação de centros de reeducação e reabilitação de agressores, em detrimento do atendimento às mulheres em situação de violência e de muito que há de avançar para dar concretude à Lei Maria da Penha. Enxergamos a criação dos centros como uma contradição da Lei, na qual eles estão propostos. Esta medida segue a mesma lógica que perpassa as tentativas de conciliação amplamente utilizadas nos serviços. Lógica do descompromisso, em muitos casos da preguiça, que encaminha as pessoas de volta para suas casas, para que resolvam juntas o problema. Lógica de que mulher apanha porque fez alguma coisa de errado, e é isso que merece nestes casos. E também a lógica de que o violador pratica a violência por algum problema de saúde ou desequilíbrio momentâneo do qual pode ser recuperado.
Neste julho de 2008, no Ceará, uma mulher foi assassinada depois que o juizado da Violência Familiar e Doméstica contra a Mulher de Fortaleza encaminhou o agressor para o atendimento psicológico no CAPS e para os Alcoólicos Anônimos. Mais uma morte que não foi evitada, entre outros exemplos que poderiam ser citados aqui. Reconhecemos que situações de violência atingem a todas as pessoas que estão nelas envolvidas e ainda respinga para as que estão no seu entorno. Mas é difícil pensar que as mulheres terão primeiro que passar pela experiência da violência, antes que algo possa ser feito. Estes recursos, que sabemos ainda escassos, devem ser prioritariamente voltados para ações de prevenção e de atendimento às mulheres.
Sistema carcerário: Reconhecemos também que o sistema policial e carcerário exige reformas na sua capacidade de reabilitação e de tratamento aos/às presos/as, o que deve valer para todas as pessoas como uma questão de direitos humanos, e não ser implantado como tratamento especial. Aos agressores, as mesmas medidas impostas a todas as pessoas que cometem um crime. Sabemos da dificuldade das mulheres em reconhecer no companheiro, o agressor, alguém que está cometendo um crime. Mas negar esta realidade é negar mais uma vez o caráter estrutural deste tipo de violência, que vem se perpetuando numa sociedade profundamente patriarcal e que tem no mito do amor romântico o modelo para as relações de casais.
Ainda no que se refere à população prisional e defesa dos direitos humanos das mulheres, merecem reconhecimento os itens que se relacionam a melhorar as condições dos presídios femininos, encaminhados em parceria com o Ministério da Justiça.
Violência como fenômeno: Neste sentido podemos afirmar que há aspectos do Plano que são coerentes com o texto da sua introdução. No texto, a violência está sendo tratada como um fenômeno, o que significa que ela acontece fora da vida das pessoas e independente das relações entre estas. Talvez seja por este motivo que se ressente da ausência de articulação do problema com as questões de reordenamento urbano e a auto-sustentação econômica das mulheres, por exemplo. Felizmente, esta concepção fenomenológica é desmontada no desenvolvimento do Plano, o que não deixa de lado a importância da sua rediscussão e revisão, já que isso pode comprometer o resultado do que está se propondo alcançar.
Prevenção: Voltando às questões urbanas e sua articulação com a violência - discussão muito recentemente incorporada pelos movimentos de mulheres -, estas são fundamentais de serem pensadas como medidas de prevenção, para as quais o plano ainda tem referências muito tímidas. As propostas estão praticamente voltadas para atividades educativas, importantes, mas não suficientes.
Diversidade das mulheres e dos contextos: Outra lacuna é o pouco que ainda sabemos sobre a forma como a violência atinge às mulheres que vivem em zonas rurais e indígenas. Positivo que ela está reconhecida no plano já prevendo formas de respondê-la através da criação do Fórum Nacional de Elaboração de Políticas de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres do Campo e da Floresta. O Fórum tem o objetivo de debater o problema e construir propostas de políticas adequadas, o que demanda a contribuição de todo o movimento para que possamos avançar rapidamente no acúmulo de conhecimento neste campo.
Dados e informações: Sentimos falta também de maior investimento na produção de dados, necessária para que se possa afinar as análises nacionais, e consequentemente as ações. Observa-se, inclusive, que a Central de Atendimentos tem sido considerada como fonte sendo que seu objetivo final não deve ser este, ainda que as informações recolhidas pelas atendentes não possam ser descartadas de forma alguma.
Pequeno é este espaço, muito mais teríamos a falar sobre estes instrumentos. Esperamos que este seja um convite para que os grupos de mulheres façam também as suas leituras e análises, já que eles foram construídos a partir das propostas de todas nós. Temos um Plano, e temos que cuidar para que ele seja executado, aprimorado, ampliado... permanentemente.
Anexos do Boletim Articulando Eletrônicamente 183 - 10/10/08
Declaração Final do II Encontro Hemisférico Frente à Militarização: De 3 a 6 de outubro, em La Esperanza, Intibucá, Honduras, realizou-se o II Encontro Hemisférico Frente à Militarização, onde se reuniram mais de 175 organizações de 27 países. Baixe aqui.
O impensável aconteceu: Artigo do sociólogo Boaventura de Sousa Santos, sobre as falências de importantes bancos de investimento, e do papel do governo dos EUA diante da crise do sistema financeiro. Baixe aqui.
Baixe versão impressa do Boletim.
domingo, 19 de outubro de 2008
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